Direto dos EUA, ex-vice presidente do Banco Mundial esclareceu impactos das tarifas no mercado americano e brasileiro
Sempre em sintonia com as demandas do mercado e do poder público, o Movimento Pró-Paraná (MPP) realizou um seminário na noite desta quinta-feira (31) para atualizar seus integrantes sobre a real situação das tarifas aplicadas pelos EUA ao Brasil. O encontro ocorreu no auditório do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), em Curitiba.
O palestrante foi o economista Otaviano Canuto dos Santos Filho, que participou de forma online direto dos EUA, onde reside. Ex-diretor executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-vice-presidente do Banco Mundial, Canuto trouxe informações acuradas sobre o mercado norte-americano e o impacto das medidas recentes aplicadas sobre outros países.
“Em tempos tão complexos, precisamos justamente disso: pontes entre conhecimento e decisão, entre ideias e políticas públicas”, declarou o presidente do MPP, Marcos Domakoski ao abrir o encontro. “Vivemos uma conjuntura que exige atenção redobrada. Mais do que uma questão bilateral, o tarifaço imposto pelos EUA ao Brasil é emblemático dos tempos de extremismo em que vivemos e do ambiente de crescente instabilidade e protecionismo, em que decisões tomadas em Washington, Pequim ou Bruxelas rapidamente repercutem no dia a dia dos países em desenvolvimento.”
Além de muitos gráficos que trazem noções realistas da economia americana, o palestrante compartilhou previsões como a da redução dos juros americanos a partir de setembro, lembrou que já se sabia que haveria tarifas desde a eleição de Trump e citou os produtos que obtiveram sucesso em ficar fora do tarifaço, como aeronaves e suco de laranja. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o chamado “tarifaço” excluiu 44,6% das exportações do Brasil para os EUA.
Um dos destaques comentados por Canuto foi a exclusão das vendas da brasileira Embraer. “Moro nos EUA há 21 anos, e não faço uma viagem em que não encontre aeronaves brasileiras. As tarifas sobre a empresa iriam afetar muito as empresas de aviação regional americanas”, explicou.
Em sua explanação, o economista trouxe outras mudanças significativas desses seis primeiros meses de governo Trump, incluindo a lei orçamentária, decisões imigratórias e de custo da energia, em tentativas protecionistas da indústria americana. Com base em sua experiência profissional, Canuto afirma que “Trump está vendendo um peixe que não pode entregar, pois não é possível a indústria americana voltar a ter o perfil que tinha nos anos 1970 e 80. A tecnologia mudou”. Em relação ao primeiro mandato de Trump, as tarifas impostas naquela gestão foram mais processuais, com intenção de negociação — diferentemente das aplicadas agora. “Fora a China, não houve retaliação de ninguém.”
Em sua palestra, Canuto compartilhou ainda bastidores da economia chinesa, fruto de sua experiência internacional in loco. “A China só poderá continuar crescendo dessa forma se voltar-se para o consumo doméstico.” E sobre a situação brasileira, foi categórico: “Se o Brasil fosse uma ditadura, o chefe do Estado mandaria no Judiciário, mas não é o caso. Da mesma maneira, é complexa a regulação das telecomunicações envolvendo redes sociais, e existem extremos, desde não regular nada até outras versões mais complicadas.”
Na parte do debate com a plateia, o vice-presidente do Pró-Paraná Orlando Pessuti questionou que tipo de comprometimento de empresas americanas em solo brasileiro poderia haver, neste momento, ao que Canuto explicou sobre o aparente interesse em acesso preferencial a fontes de minerais críticos. “É possível que isso apareça nas negociações.”
Também citou uma empresa americana que extrai nióbio em Minas Gerais — com vendas destinadas à China. “Em sua carta, Trump convida exportadores brasileiros a deslocar investimentos para os EUA, e eu logo temi que esteja de olho na Embraer”, confessou Canuto.
O coordenador do Conselho de Integração do MPP, Domingo Murta Ramalho, também pediu mais informações comerciais, ao que o professor remeteu ao deslocamento de demanda dos EUA para o Brasil, com queda nas vendas americanas e ganhos para o Brasil. “É possível que, se chegarem em um acordo para valer, Trump tente introduzir tarifas novas”, temeu.
O vice-presidente do MPP Mário Pereira também participou do debate, lembrando das reações múltiplas do público doméstico norte-americano às taxações. “Quando as tarifas foram cogitadas, as empresas americanas anteciparam importações, o que impactou os resultados do primeiro trimestre. Os produtos importados vêm subindo brutalmente desde março”, alertou Canuto.
“É lamentável ver que a situação chegou a tal ponto por uma falta de apetite, de parte a parte, para a escuta ativa, a argumentação, a negociação e o diálogo. Ações eivadas de motivação política estão jogando por terra anos de boas relações comerciais sustentadas pela boa diplomacia, setor em que o Brasil teve grande destaque no passado. Hoje, lamentavelmente, em ambos os polos do espectro político, o interesse nacional está subordinado ao apego pelo poder. Primeiro os interesses políticos partidários, depois o Estado. Essa inversão de valores vai custar caro. Pagamos nós, sociedade”, finalizou Domakoski.